9.12.02
cabeCERA
Aqui, na seção* chamada cabeCERA, vou falar, resenhar, comentar, elogiar, esculhambar os livros que estão fazendo CERA na minha cama. O primeiro desses livros você confere agora. * Esse blogue tá parecendo um magazine, com tanta seção. Perdão.
UM DIA ENDOIDEÇO
Hoje, por exemplo. Segunda. Porque ontem à noite passei a chuva lendo Stela do Patrocínio. E lendo os cadernos de Nijinski. E lendo as linhas de Rosário, o Bispo. Acordei endoidecido. Pensando atravessado. Fiz-me uma pergunta e a repasso: por que os poetas pioraram de saúde? Tenho uns de minha preferência. Não vou listar lista. Mas falta loucura aos poetas. Todo doido é um poeta mas nem todo poeta é doido. Pensei nisso lendo Stela. Explico: Stela do Patrocínio morreu em 1992 na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. A Azougue Editorial lançou um livro com os escritos de Stela. Escritos, não. Ouvidos. Explico de novo: muito do que foi publicado no livro foi colhido de fita cassete. Não se sabe onde foram parar os seus inversos, anotados em caixas de papelão, pelo chão, sei lá. Em que tijolo? Louca de pedra, ela. Fiquei esquisito, me perguntando, por exemplo: de onde vem isso, essa expressão "louca de pedra"? Sei que lelé vem de paralelepípedo, não é? O livro se chama Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Foi organizado por Viviane Mosé. Ela deu voz à voz de Stela. E tem na apresentação uma lúcida discussão da validade literária dos loucos. Da oralidade dos loucos. O discurso dos loucos. Até onde é arte a outra parte de nosso cérebro? Ontem mesmo um colega de Pernambuco, Valter Moreira, me ligou e disse que Minas Gerais é o estado que mais produz loucos. Citou a escritora mineira Maura Lopes Cançado. Citou outras. "É por causa das montanhas", garantiu ele. As montanhas sufocam o juízo das pessoas. E eu que pensava que toda fé era doida. Logo ela, que remove montanhas. Pirei. Ficarei nesse devaneio até quando? O fato é que o livro de Stela me angustiou. Perdi o fuso e o parafuso. Fui atrás, à mesma noite, dos escritos atormentados de Nijinski, o bailarino russo. Repito: reli as costuras apocalípticas de Bispo do Rosário. Vi mais poesia neles do que em muita poesia feita hoje em dia, pode? Quem pode fode. Vocês não são loucos de me atirarem a primeira pedra. São? É que tem poeta achando que dobrar uma palavra aqui e ali, encher o corpo do poema de sinais psicanalíticos, fazer maracutais na língua é a coisa mais linda. A loucura deles é essa. O máximo a que chega o grau da loucura deles. Uma loucura institucionalizada. Municipalizada. Preparada em laboratório, sei lá. Todo poeta precisava passar uns dias na Colônia Juliano Moreira (no Recife, eles vão parar na Tamarineira). Mijar em esquinas esquizofrênicas. Saber como cagar uma alma hebefrênica. Ouvir o que os verdadeiros doidos têm a dizer: "Você está me comendo tanto pelos olhos / Que eu já não tenho de onde tirar força / Pra te alimentar ". Ou: Eu não vou transcrever mais nada da Stela. Segunda-feira não é um dia bom. Nem vi meu horóscopo. Nem dei bola para o meu pai-de-santo. Fujo de gravador, por enquanto. Depois eu melhoro. Tão logo, seguirá uma parte da conversa que tiveram com Stela e que está nas páginas finais do livro publicado pela Azougue et cetera. Uma dica é ver o filme Edifício Master. A literatura tá ali, muito melhor do que em muitas páginas da prosa moderna. Não são só os poetas que estão ruins. Há muita gente querendo se atirar pela janela. Mas não conseguem. Amanhã a gente conversa. Meu beijo cheio de espuma, Marcelino.
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