13.12.02
Quarto da Bagaceira 6
Lá vai um esboço de um conto, há tempo no esquecimento:
FLORZINHA
– Posso fumar?
– Claro.
– Você fuma?
– Não.
– Faz o quê?
– Hã?
– Faz o que da vida?
– Sou jornalista.
– E nem fuma?
– Não.
– Mas bebe?
– Pouquinho. Só cerveja.
– Beleza. Uma Brahma agora.
– É, ia bem.
– Quando a gente descer, hein?
– Pode ser.
– Ricardo.
– Prazer.
– Me chame de Cado. E você?
– Maurício.
– Só Maurício?
– Florzinha.
– Sério?
– Florzinha.
– Que barato!
– O apelido foi por causa da Isabela Garcia. Acredita?
– Ra rá.
– Um personagem da Isabela Garcia.
– Desculpa, mas eu preciso dar uma gargalhada.
– Pode rir.
– Florzinha?!!
– O cabelo, entende? Eu parecia uma mocinha quando era pequeno.
– Channelzinho.
– Mas hoje não esquento mais, não esquento.
– Já pensou um incêndio?
– O quê?
– Aqui.
– Como assim?
– Fogo.
– Fogo?
– Proibido fumar no recinto.
– Ninguém está vendo.
– A gente tava perdido.
– Nesse moquifo, não é?
– O que ia morrer de pulga e carrapato.
– Queimou um cinema aqui do lado, sabia?
– Pois é.
– O bilheteiro morreu, coitado.
– Saiu no jornal: “Queimaram o filme do bilheteiro”.
– Você gostou?
– Do quê?
– Da manchete?
– Do caralho.
– Fui eu que escrevi.
– Você?
– Eu.
– Legal. Não tem uma boca pra mim lá no Diário?
– Tá meio difícil.
– O perfume que você usa.
– O que é que tem?
– Não é safado.
– Ganhei de aniversário.
– O sapato.
– Barato e apertado.
– Você tem cara de que vive bem.
– Quem vê cara não vê...
– Coroa. Quantos anos você tem?
– 44.
– Jura?
– Juro.
– Já deu um tapa?
– Hã?
– Já fumou um baseado?
– Já provei...
– E pó?
– Nunca.
– Você se incomoda?
– Fique à vontade.
– Sabe como é que é...
– Tá na hora de eu ir embora.
– Verdade?
– Tá ficando tarde. Sexta-feira eu volto aí.
– Olha lá.
– Palavra.
– Se você não aparecer, sabe o que vou fazer?
– Vou aparecer, sim.
– Todo mundo vai saber.
– De quê?
– Deixa pra lá, Florzinha.
– 50, o programa, não é?
– É.
– 10, 20, 30...
– Mais a cervejinha.
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