12.3.03
POETA BOM É OUTRA HISTÓRIA
Quando descubro um poeta, um prosador, alguém bom demais, sem firulas na língua, sei lá, eu fico todo entusiasmado. Foi assim quando bati o olho, recentemente, na poesia da louca carioca, a varrida Stela do Patrocínio. Foi assim quando bati o olho nos minicontos sangüinários de Ivana Arruda Leite, praticamente inédita à época em que nos cruzamos. Quando conheci, idem, o mineiro Ricardo Aleixo, enfim. Sem contar o Fabrício Carpinejar. Tantos e tão poucos. Mas a história agora é com outro Fabrício. É com a poesia do paulista Fabrício Corsaletti. Ele tem um só livro publicado, o "Movediço" (Labor Texto). Conheci-o lendo uns poemas em um sarau na Vila. O Corsaletti é um grande poeta, cara. Sem exagero. O livro dele, novo, cuja prova vi de relance na mesa de um bar, é do caralho. Curto, sem delongas. E de uma força direta, enxuta, que eu gosto de ver. Quem viver também verá. Segue logo abaixo um dos poemas inéditos do novo livro. Vamos lá.
HISTÓRIA
Na cidade em que nasci
havia um bicho morto em cada sala
mas nunca se falou a respeito
os meninos cavávamos buracos nos quintais
as meninas penteavam bonecas
como em qualquer lugar do mundo
nas salas o bicho morto apodrecia
as tripas cobertas de moscas
(os anos cobertos de culpas)
e ninguém dizia nada
mais tarde bebíamos cerveja
as brincadeiras eram junto com as meninas
a noite aliviava o dia
das janelas o sangue podre
(ninguém tocava no assunto)
escorria lento e seco
e a cidade fedia era já insuportável
parti à noite despedidas de praxe
embora sem dúvidas chorasse
|