9.3.04
LEGADO
Deixo aqui meu relógio, lavoura. / Deixo aqui meu cabide, minha náusea, / minha empresa de espantos, meus ais, / interjeições e trejeitos. Mea culpa. / Deixo meu detector de mágoas, / meu rio predileto de margens abstratas, / minha idéia de esconderijo / - o que resultou no furto / de pomares e palavras. / Deixo meu avô tangendo a noite / para as tocas da insônia, tangendo / rezas para o pasto de Deus. / Deixo a casca do impossível, / perfis, carcaças, asco. / Deixo tudo e algo mais / dos noves fora. / Aonde for, fique um nome ou ervas / que não me separo de mim, / que me acompanho / sempre. / (Quem se afasta é o que pensaram de mim, o outro / o porquê, o quando. / Não sou eu.) / Cumpro a sina sem asas.
[ André Ricardo Aguiar, do livro "Alvenaria" (1997)
- Publicado no ZineQuaNon, número 9 ]
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