30.3.04
OLHOS COR-DE-ROSA E FRIOS
Deus só deixa de existir na dor de dente, no choque elétrico que atravessa a carne, mas não se dispersa no vazio, na descarga que vai, volta e estoura os tímpanos, o couro cabeludo, os ossos. A dor de dente, a enxaqueca, a hemorróida maior do que uma ameixa, tudo isso afasta do espírito a idéia de Deus. Na dor estamos sozinhos, centrados no nosso próprio organismo. A dor é egoísta, egocêntrica, absoluta. É pra lá que tenho que me dirigir, para a dor absoluta. [...] Ele conhece a dor de dente, a enxaqueca e as hemorróidas muito bem, está cheio delas, sua saúde é péssima. Ele conhece o horror e quer dividi-lo comigo, eu não quero ir, simplesmente não quero.
[ Trecho de um dos contos do livro
"Sólidos Gozosos & Solidões Geométricas",
de Nelson de Oliveira, a ser lançado
daqui a pouco, na FNAC da Paulista ]
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