6.4.05
ALGUMAS LINHAS
[1] A temporada editorial é das piores. Fazer um livro, hoje em dia, principalmente de ficção e mais particularmente de ficção brasileira, e mais especificamente de conto brasileiro, é mais do que simplesmente uma temeridade.
[2] Ando muito interessado numa literatura que, fugindo a gênero literário (essa coleira do capeta), seja menos literária e mais um corpo-a-corpo com a vida.
[3] A dinâmica da chamada arte literária tem de existir, para que a própria arte sobreviva. Caso contrário, não se fugiria nunca dos cânones consagrados e sacrossantos.
[4] Tenho de estabelecer uma estratégia rápida, rasteira para um livro meu não comer o outro. É uma merda ter mais de um filho. Você assistiu ao nascimentos dos dois. Acho que é a pessoa indicada para escrever a respeito. Se você quiser, respondo a um questionário seu etc. Depois há meios de colocar a matéria aí em Última Hora dominical.
[5] Você me desculpe estar lhe enchendo apenas com coisas de meu interesse. Mas tenho de me virar, velho. E bem virado.
[6] Divulgue as minhas coisas, não se esquecendo nunca que a propaganda que vende no país, além de todas, é o boca-a-boca, o falatório, o diz-que-me-diz.
[7] Hoje estou como um limão espremido. Acabo de fazer um conto que me vinha na cabeça há tempos e tempos, coisas espichadas, aí por volta de 34 laudas. Uma pauleira que me esgotou. Dei o batismo: Cor de Cinza
[8] Continuo mantendo dois livros (o que é raro) na lista dos mais vendidos. Isso me vale invejas e sentimentos negativos de todos os olhos e lados.
[9] Minha saúde, você sabe, pererecou durante anos. Mesmo em Cuba, você via, eu não estava nada bem.
[10] Escrevo-lhe à mão, fugindo aos meus hábitos, pois não estou podendo datilografar devido a uma crise prolongada da gota. Assim, álcool nem ver e carnes também não. É um regime tirânico.
[11] Lamentável, verdadeiro vexame o tal manifesto dos escritores brasileiros em Frankfurt saudando Fernando Henrique Cardoso. Em português dos botequins do Rio de Janeiro, xexelentos e decadentosos: são uns lambe-cus, uns baba-ovos.
[12] A literatura não dá sossego a quem se mete com ela.
[13] Abraços do amigo João Antônio.
[ Trechos do livro "Cartas aos Amigos Caio Porfírio Carneiro e Fábio Lucas", de João Antônio, recém-lançado pela Ateliê Editorial ]
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