27.11.06
NATAL DOS POBRES
Ele sentou-se ao meu lado. Depois de ter atravessado todo o salão. Extenso. Veio e pum. Na cadeira vazia, a única, à primeira fila. E o mendigo fedia. Ave nossa! Mistura de cachaça, cerveja e bosta! Devia pensar assim: gente fedida. Diferentemente dele. Ali, para receber um prêmio. Dizia, olhando a mesa posta. Palestra à vista: "eu vim aqui para receber um prêmio". E eu? Como sair, de supetão? Precisei dar um tempo. Quando batia o vento, o cheiro vinha violento. Meu Cristo! No palco, falavam Nelson Motta e Antonio Cícero. Distintas senhoras potiguares mudaram de ares. Numa revoada. Como moscas, em disparada. O mendigo, quem diria, interessado em literatura. "Um prêmio", repetia. Veio para receber um prêmio. Veio cobrar de mim uma honraria, vai ver. O meu Jabuti. O que fazer? Juro que agüentei o quanto pude. E vupt. Fugi bêbado, em direção ao camarim. Na volta, me perguntei. Ué! Cadê o corpo amarelado? Os dentes carcomidos? Virilhas sujas e orifícios? O homem de buracos no pé? Conseguiram arrastá-lo de lá. Civilizadamente. Na promessa de pagar ao indigente dez reais. "Vamos lá fora que o dinheiro é seu". Para evitar escândalos. Para o cara não sair vociferando: "bando de intelectuais". Ou: "morte aos imortais". No mais, não seriam aqueles odores que estragariam o sucesso do Primeiro Encontro Natalense de Escritores. Eta danado! Pois é. Evento superbem organizado. Bastante gente. Esgotei meus livros. Fiz novos leitores e novos amigos. Mas deixemos de fora relato deste tipo: umbigoso. Não é hora. Reexplico: pagaram, de fato, os dez reais para o mendigo e ele zarpou dali. Sem barulho. O problema seria no outro dia. Ficamos nós confabulando. Imaginando, ficcionando. O tanto de moradores de rua que chegariam. Aos montes. Numa procissão de farrapos. Sebosos e enfileirados. "Dez reais", sem nenhum esforço. O quê? Quem disse? Protestaria um deles: não é fácil agüentar aquele povo falando de literatura. Vamos invadir a FLIP. Lá o pagamento é em dólar. Baixemos na Academia, ora. Até na Feira de Frankfurt. A partir de agora, estaremos em todos os eventos. Pobres, mas cultos. Tomaremos conta de tudo. Todos eles, a um só cheiro e a uma só voz. Para lembrar a todos nós, escritores, o quanto o olimpo é sujo. Fui.
EM TEMPO: Mendigos de Diadema, uni-vos. Amanhã, às 20 horas, na Biblioteca Central, estaremos eu, Luiz Ruffato, Maria Regina Oliveira de Araújo e Yara Camillo participando da Mostra Internacional de Literatura.
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