25.4.07
O GRITO [ de Beatriz Bracher ]
Começa baixinho, meu grito, não de choro, mas de cólica, como de cólica de adolescente, que é quando dói mais (antes de ter filho), ele vai crescendo e, com as mãos apertando a barriga, levanto o rosto, ou um personagem aí, e seu (ou meu) rosto está todo engruvinhado, torcido e depois abrimos a boca, tanto que chega a doer a pele do lado da boca. É na verdade um grito mudo e escondido dentro de um quarto fechado, de vergonha por acreditar no desembargador preso e acusado, acreditar porque ouvimos a voz dele no rádio, a voz dele diz: eu não fiz o que me acusam; acreditar no jogador do Bragantino que vimos dando uma rasteira não me lembro agora em qual jogador do Santos, acreditar porque, quando o juiz marcou a falta, ele fez uma expressão tão de quem não acredita, de quem está sendo injustiçado, de quem não fez nada de errado. Grito (chega de personagem, sou só eu mesma, nenhum personagem pode ser tão estúpido, seria inverossímil) grito por me faltar inteligência, por acreditar de forma absolutamente imoral no que eu ouço e no rosto que vejo.
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