9.9.08
É DOCE MORRER NO MAR
O pedófilo gira, como se estivesse em cima de uma caixinha de música, aos olhos arrepiados da platéia. No chão, projeção de desenhos infantis. Um mar de desenhos e pirulitos. Bem antes, no começo do espetáculo, o público vai entrando em meio a gritos. Os atores já estão lá, como num pregão. No cu da feira, cospem palavras uns aos outros. Adentramos, sem entender, aquele tamanho alvoroço. Quando as luzes se apagam, é projetado o meu conto "Tentando Entender". Texto que ficou fora do livro. Explico: trata-se do espetáculo homônimo RASIF - Mar que Arrebenta, em mais uma portentosa e visceral montagem feita pelo Coletivo Angu de Teatro. Explico de novo: o "Tentando Entender" eu escrevi assim. Aliás, não escrevi. Fui pegando palavra por palavra, do jeito que estava, no dicionário. E um significado foi levando ao outro. A narrativa foi sendo construída a partir do que o Aurélio me falava. Do que ia buzinando, no meu juízo, uma explicação para o mundo apocalíptico em que vivemos. E onde somos jogados. Digo: no espetáculo. Que ora se passa em um Recife Antigo, ora, sei lá, em Bagdá. Ou em algum lugar da nossa memória corroída. É aí que desfila a Totonha, que pila o seu café enquanto desconversa. Não quer aprender a ler. E ainda: Da Paz, uma costureira em Cabul, talvez. Costurando os trapos de seu ódio. Nesse mundo sem fundo, Meu Cristo! Onde terroristas tupi-guaranis-niquins tomam de assalto, e de direito, o Teatro Hermilo Borba Filho. Em montagem dirigida por Marcondes Lima. Ele que também participa de cada ato. Soltando a bela voz de beduim acompanhado de uma banda ao vivo. E aos mortos. Uma celebração de almas. Alá seja louvado! Amém e saravá! Tenho mais é que prestar minha devoção e agradecer ao elenco afiado que deu sangue aos meus personagens. Impagáveis que estão, sem exceção, André Brasileiro (também produtor), Arilson Lopes, Fábio Caio, Ivo Barreto, Márcia Cruz e Vavá Paulino. Sem contar a luz (no fim do mundo) de Jathyles Miranda e os vídeos arrebatadores de Oscar Malta e Tuca Siqueira e beleza! Repito: é de doer no peito a emoção. Sem igual. De ver como eles, os pernambucanos, entendem o meu sotaque carregado. Meus urros aos pulos, cirandando. Sim, o público assiste em volta. Roda como a cidade roda. Cheia de pancada e riso. Cheia de agoniada poesia e maravilha! Só testemunhando para crer. Toquei a alma-lama da minha aldeia. Agora já posso morrer. Em tempo: a peça está em cartaz aos sábados, às 21, e aos domingos, às 20 horas. E vamos que vamos. E até amanhã. E fui. E bora embora.
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