27.10.08
E A POMBA-GIRA
Mas ele não é seu amigo? Perguntaram-me sobre o Carpinejar. Ontem, no Estadão. Meu irmão assinou uma resenha sobre o Rasif e vixe! Um leitor, via e-mail, me disse: foi bastante elogiosa. Outro, ao telefone: acho que ele pegou no seu pé. Mas ele não é seu amigo? Repetiam, ambos, o mesmo juízo. Como se o poeta gaúcho tivesse obrigação de falar bem. Como se tivesse obrigação de não falar mal. Achei a resenha animal. Digo assim: sincera, imparcial. Um texto suingado e brilhante acerca do meu lado cantante, visceral. Apontando sonâncias e dissonâncias. Prezo por isto. Artigos pouco comportados para uma literatura que, creio, faço com o estômago (ou seria intestino?). Aí quero porrada. Desde que seja bem dada. E Carpinejar capricha na palavra. Não poupa o verbo. Diz, por exemplo: "o pernambucano Marcelino Freire adota, em definitivo, o livro lírico. A correnteza hipnótica de suas declamações entrou na escrita, contaminou sua prosa, encharcou suas personagens. [...] Com belíssimas ilustrações de Manu Maltez, Rasif não precisa de CD encartado. O texto é a própria música em estado sólido". E mais adiante, sentencia: "Freire assume uma posição de exorcista. Recebe vozes em carência ou desespero como passes de um terreiro. Pode-se entender que ele se nega o direito de narrar para ser mais personagem do que o autor". E ainda, afirma que eu sou: "uma espécie de pomba-gira ficcional". Gostei disto, etc. e tal. Pomba-gira que grita e rodopia. Embora, acho, eu fale sempre da dor dos outros para não encarar a minha. No osso. Daí, talvez por isso, eu sempre aponte meus ouvidos para os desvalidos, os párias e tenho ditO. E se há um senão, aviso, é quando o Carpinejar e o Luiz Ruffato, coincidentemente no mesmo jornal, comentam. Um, o Carpi: "talvez seja uma maldição da literatura contemporânea de mitificar o desvio e favorecer o excluído. Parece que a classe média e trabalhadora pouco existe, não rende impacto imediato". O outro: "Os escritores da classe média parecem romanticamente fascinados pela figura do bandido ou do marginal e nunca se interessam pelo personagem sem glamour do trabalhador urbano". Ave nossa! Será que eu tenho agora de apresentar a carteira profissional dos meus personagens? Sou eu quem escolhe o tema, premeditadamente, ou o tema é quem me escolhe? E quem disse que não há a classe média-trabalhadora-ou-não nas obras, por exemplo, de Marçal Aquino, Marcelo Mirisola, Nelson de Oliveira? E ainda: puta não é profissão? E as horas que trabalham os travestis, na pegação? Então? Sei não. Não é de hoje que me preocupa o que vem professorando por aí o autor de Eles Eram Muitos Cavalos: de que ele elegeu o operariado para seus textos e o resto fica atrás de sangue, gratuita e aventureiramente, sem nenhum projeto literário. Discurso excludente. Meu Cristo! Minha Santa Periquita! Quantos suores braçais povoam os meus contos? E sonhos? Não vale? Dá-me até preguiça. Amém e saravá! Melhor voltarmos ao Carpinejar: quero agradecer, publicamente, pelo belo texto. Aqui e ali, não me reconheço nos comentários. Mas repito: a resenha é porreta! Porque tem grandeza, impacto. Autor que não brinca em serviço. Todos, a duras batalhas, labutando no mesmo ofício. E, ufa, por enquanto é isto. Aproveito e convido: outro irmão gaúcho, o Daniel Galera, lança seu romance Cordilheira, logo mais à noite, na Mercearia e maravilha! E o amigo baiano Ésio Macedo Ribeiro lança os contos de Estranhos Próximos no Bar Balcão. E ainda: se quiser ler o texto completo do Carpi, é só clicar aqui em cima e até amanhã e fui e aquelabração.
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