6.10.08
VOVOZONA
Ah! Meu filho. Vem sempre uma TV me ver. Entrevistar. Aos 90 anos eu vou mais uma vez me arrastar. Para votar. Ceguinha. Vou teclar no candidato. De curvada memória. Nem é preciso anotar. Pra quê? Hoje todo mundo vai dizer. Que estou caduca. Em tempo de morrer. Ah! Meu filho. É um cansaço tão comprido. Este meu dever. Cívico. Sei que não tenho mais físico. Mas o povo gosta. Deste lado falido. Heróico. Na hora em que coloco o meu vestido. O mocinho me acompanha. Vai um repórter em minha cola. Até a zona. Ah! Meu filho. Ando tão raivosa. Tão pouco bondosa. Ultimamente. Quando menos esperarem. Ave! O que deu na senhora? Ali mesmo. De repente. O meu protesto. Sei que demorei. Era para ter feito. Desde a época do Getúlio. Ora. Eu sei. Mas a vida vai nos amassando. A gente vai acreditando. Pondo fé. Pois é. No milagre que não vem. Meu Deus! Amém! A pensão do falecido. Caiu no esquecimento. O meu amor. No chão. Debaixo da terra. O tanto que ele era ciumento. Eu não podia me arrumar. Lá vai ela passear. Madalena. Cheia de pluma. Ruga. Cheia de pena. Eu sonhava ser artista de cinema. Ah! Meu filho. Por isso que eu acho. Gosto desta luz em cima do meu osso. Fraco. Mas desta vez. Cansei. Repito. No meio de todo mundo. Foi. Foi. Acocorei. E tudo aquilo que eu guardei. Saiu de mim. Aquele peso. Fedido. Ri. Ri. Ri que suei. Vão dizer que estou no fim. Ah! Meu filho. Mas só agora é que eu comecei.
[ O jornal O Povo, de Fortaleza, convidou alguns escritores para fazerem minicontos para o dia das eleições e ave! O especial foi publicado ontem e eta danado! O meu foi esse que você leu acima. E amanhã eu volto com mais calma e fui e aquelabraço ]
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