26.5.09
PRECISA-SE
Meu nome? Linda. Lindalva. Maria Lindalva. O quê? Qual cor? Como assim? Se sou mulata? Mestiça? Deixa eu pensar. Acho, sei lá. Que eu não sei se sou. Deixa eu me explicar. É que a gente põe assim a cor da gente na ficha. E parece que facilita, entende? Dá na vista. Negrinha, negrita. Negona. O meu namorado me chama de negona. Queimada. Ele tem esse direito. Desculpe eu dizer. Na cama. Minha flor. Meu amor. Assim: um carinho de pele. Sabe: um toque. Aí eu me sinto tanta mulher. Tudo o que se é sem ser. Mulher, pois é. Mais do que eu sou. No mesmo corpo que desabrochou. O outro lado da mesma moeda. De rainha a mocréia. Na cama. Vermelha. Ele diz que eu tenho a beleza brasileira. Ele, pretinho. Meu moreninho. Não sei se o senhor me entende. Eu tenho mesmo que dizer? Para valer? Tenho medo de ficar marcada. A ferro. Sério. Não pode ser só Lindalva? Maria Lindalva? Minha mãe disse que viu uma estrela. Quando eu nasci. E o céu estava tão bonito. Azul infinito. Essas coisas de Deus. Minha deusa, deusinha, ela dizia. Minha mãe se chamava Edileuza. E já está em bom lugar. Orando por mim. Lá de cima. Tudo lá de cima. A mesma coisa. Cinza. Em São Paulo. Nublado. Eta danado! Cidade dos diabos. É tudo tão misturado. Ah! Perdão, me desculpe o jeito. Sei que eu não posso demorar. O senhor quer mesmo saber? Qual a minha cor, não é? Para escrever aí, no questionário. Deixa eu pensar. O que o senhor acha que eu sou? Olhando para a minha cara. Bem para minha cara. O que eu sou? Assim, no espelho? Coloque aí, escreva: mestiça. Isso: doméstica mestiça. Pode anotar. Só não vai contar para ninguém, tá?
[ Eu e Jorge Mautner fomos convidados, pelo jornal O Globo, para escrever algum texto discutindo-enfocando a mestiçagem brasileira. Eu mandei esse miniconto aí de cima. O especial foi publicado no domingo passado e ficou bem legal e eta danado! ]
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