3.6.09
E ATENDENDO A PEDIDOS
Inclusive ao da querida Ivana Arruda Leite, resolvi postar, logo abaixo, a íntegra de meu texto sobre a Mercearia São Pedro, publicado, com cortes, na revista Serafina da Folha de S. Paulo do domingo passado. E ainda: clicando aqui em cima, você lê o texto completo do Ronaldo Bressane, que também foi tesourado e eta danado! No mais, por hoje é só, fui, até amanhã e aquelabraço.
XÔ!
Não vá.
A Mercearia São Pedro é um boteco chato. Lugar de escritores, cineastas, músicos, atores. Só pode ser chato. O que você vai fazer por lá, me fale. Se você não gosta de livros. É o que mais tem. Argh! Borges e Cortázar e Campos de Carvalho a caminho do banheiro. Clarice e pastel. Não cheira bem.
Não vá.
Há bares melhores ali por perto, na Vilaboim Madalena. Se você gosta de decoração então. O que vai fazer na Mercearia? É uma agonia de design. Putz-grila! Vai dar vontade de você espanar as garrafas. Tirar o pó das grades e das estantes. Jogar tudo que é recorte de jornal fora. Por que danado penduram tantas notícias antigas, ora? Por que, em vez de dar recados em placas computadorizadas e luminosas, escrevem à mão, em gordurosas cartolinas? Minha Santa Periquita! Ave! A Mercearia, ao que tudo indica, existe para dar vexame. Cuidado! É um bar com forte personalidade. Não é todo mundo que aguenta a dose.
Um dos donos é o Marquinhos Benuthe (o outro é o Pedro, seu irmão). Menino, eu não lhe conto. O gênio que o Marquinhos tem. Você não vai conseguir fazê-lo de tonto. Exigir saideira. Mandar — como você está acostumado. Assim, em confundir: bar com banco. Só porque paga a conta, acha que pode sair gritando. Lá não. Freguês não tem vez. Baixa a cabeça. E espera a cerveja. E o sanduíche, nu na chapa, zelosamente feito pelo Antônio.
Os garçons são rápidos. Prestativos. Só não venha dizer o que eles têm de fazer. Eles já sabem. Sob a abnegada orientação de um piauense chamado França (não confundir com um francês chamado Piauí), trazem baldes, descolam cadeiras extras. Mas repito: não adianta se você não é provido de uma gentileza. De uma delicadeza bêbada. Se você é daqueles que preferem outro colarinho branco.
Não vá.
Logo no balcão dá para se situar. Do tipo de freqüência. Sabe aquele dramaturgo? Sem pompas na língua? De coturno? Sim, o Mário Bortolotto está sempre em pé. É só você não se aproximar. É só deixar ele na dele, sozinho. Bebendo vinho. E sabe quem mais aparece, baixa no pedaço? O desbocado Xico Sá. E seu rosário de pornografias. Mantenha distância. Outro que não merece a sua confiança é o polêmico Cláudio Assis, pois é. Aquele que dirigiu o perverso e pervertido "Baixio das Bestas".
Em tempo: apaixonado por cinema, Marquinhos (que foi programador do extinto Cine Oscarito) espalhou cartazes pelas paredes. Filmes que, com certeza, não farão a sua cabeça: de Fellini, Kubrick a Pasolini. Gente que adoraria um cenário desses. Como adorou o mexicano Guilhermo Arriaga. Sim, aquele que roteirizou o longa "21 Gramas". Eu disse "21 Gramas", saca? E ainda: figuras avessas como o cubano Pedro Juan Gutiérrez e o colombiano Efraim Medina Reyes elegeram a Mercearia como o Melhor Boteco do Mundo. Quanto exagero! Motivo ainda maior para você desconfiar onde estará se metendo. É fria. Já pensou se você marca com os amigos engravatados da firma? Ou: o seu aniversário de casamento? Quanta decepção! Você vai ficar com cara (ainda mais) de bundão. Todo mundo fica com ares de bundão. Ao passar pelo corredor polonês. Explico: para ir ao sanitário, o caminho é estreito. Apertado. Sempre tem um músico tarado. Pernambucano. Batendo um olho no seu balanço.
Aliás, nem precisa ser pernambucano. O famoso roqueiro australiano Nick Cave tem até imagens gravadas no local à década de 80. Procure no YouTube. Inclusive, o que esse povo faz de festa! Está na rede idem. Confira. Tamanho e muvucado evento. Por exemplo, o dia em que o escritor Joca Reiners Terron lançou a "Antologia Bêbada", com contos de alguns dos assíduos e insanos frequentadores. Entre eles, Andréa Del Fuego, Ronaldo Bressane, Ivana Arruda Leite, Reinaldo Moraes e Matthew Shirts — esses dois últimos, em companhia do Mário Prata, foram os que fundaram, digamos, esta verdadeira ABL - Academia Bêbada de Letras. Pense bem: qual tipo de chá esses “maus velhinhos” não devem tomar? Hein? Definitivamente não é o seu lugar. Preferível que você ganhe outro rumo. Bares com ares cariocas, que tal? Ou: botecos de samba — com fotos de gente bamba. Não as fotos que você encontrará na Mercearia. De uma turma muito esquisita que, não raramente, sai de lá quando está caindo o dia. Fuja, fuja. Eu juro, eu imploro. Não vá. A Mercearia não foi feita para você. Há 40 anos que aquela bagunça existe. E nínguém faz nada. Preferem o caos. Sério. E sírio. Começou como uma quitanda de imigrantes, vendendo feijão, lingüiça e desinfetante. Aí resolveram vender bebida. E depois virou locadora. E, não faz muito tempo, uma livraria. Já pensou? Tomar conhaque com Pinho-Sol? Uma dose de água sanitária no seu ketchup?
Melhor evitar.
Recapitulando: escritores, cineastas, músicos, atores nunca foram boa companhia. São grotescos. Ariscos. E, sobretudo, egoístas. Não gostam mesmo de se misturar. Por favor, não apareça, não dê as caras, não vá.
Periga, de repente, de você me encontrar.
Aí não vai prestar...
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