16.4.10
OS ORIGINAIS
Não é o seu caso, querido. Estou falando daquele cara mala que manda e-mail pedindo para a gente ler seu calhamaço. Inédito, coitado! Valoriza o anonimato, diz que está esquecido. Nos cafundós. Para a gente sentir dó. Aí manda o original. E aí depois manda vários outros e-mails. Cobrando: já leu, já viu? Como não teve tempo? Segue os nossos passos, para onde a gente viaja. E no avião, meu irmão? Não dá para dar uma olhada? Há aqueles que ficam plantados no bar que a gente bebe. À porta do nosso prédio. Um livro de poemas, um romance completo. Rapidinho de ler. E, quando a gente vê, ele nos encara. De longe. E pensa alto, para todo mundo ouvir. Todo escritor é assim. Diz que está com a agenda lotada e a vida dele é esta, enchendo a cara na boquinha da garrafa. Que merda! Que desgraça! Mas repito, querido. Você é diferente. Vive no seu canto, entende o meu espírito. Eu também sofro umas tristezas de vez em quando. Tranco-me para reler Bandeira. Rascunhar besteiras. Também faço sexo, assisto TV. Tenho amigos aos montes. E uma família grande. Para quem mando um dinheirinho mensal. Cachê de palestras e oficinas, etc. e tal. Curadorias em eventos. Para os quais você nunca me convida. Hein? Eu, o melhor prosador da praça. Doido para entrar na panelinha. O que devo fazer? E tem os que mandam currículos. Do tipo: Saramago gostou de mim. Ganhei prêmios municipais. Nacionais. Saí nos jornais. Ora, ora. Seu covarde! Seu bundão! Se todos amam o que eu escrevo, você, seu filho da puta, é que não tem coração. Um olharzinho de nada. Lá em casa, uma pilha de originais. Sempre chega novidade pelos correios. Pedidos de socorro! Confesso. Muitas vezes eu mesmo peço. Manda. E a vida solavanca. Corre, atropelada. Confiro alguns capítulos, guardo o autor no juízo. Para, um dia, falar com ele. Sem pressa. Mas não tem essa. O mundo acabando, terromoto na China. Se você não me der um retorno, por Deus. O que será de mim? Nesse breu? À margem, no fim? Quanta falta de paciência! Quanta falta de noção! De ambas as partes, creio. Se já fiz (e faço) por muitos, outros me odeiam. Na surdina. Mas sei, querido, náo é o seu caso. Você tem os olhos tão bonitos! Eu estou livre. O que você vai fazer na noite deste sábado?
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