17.5.10
EU, AUTOR
Estive, há alguns dias, em Paraisópolis. Para uma palestra na semana das bibliotecas de lá. Sim, existem três no pedaço. Fui convidado e fui. E o papo foi um barato. E me lembro que já gravei uma leitura naquela favela. Para um especial da TV Cultura. Subi na laje e li trechos de Os Sertões de Euclides da Cunha. Enfim, assado. Mas o que eu quero contar mesmo é sobre o Estevão. Levaram-me ao calabouço que ele ergueu. O labirinto de azulejos, pratos, santos, relógios. Já ouviu falar do artista? Sua casa já foi notícia pelo mundo. Explico: o baiano chegou em Paraisópolis e, do seu sobrado, faz 25 anos, foi erguendo um castelo de cores derramadas. Feito Gaudí, o catalão, sem nunca ter ouvido falar em Gaudí. Ave! Estevão Conceição criou o seu casulo. Com escadas, jardins suspensos, vista panorâmica para os barracos. Até hoje, ele sai recolhendo e comprando objetos pela cidade. E segue, dia a dia, colando cacos de um mundo novo. Apocalíptico. Um organismo vivo. Emocionante de ver e maravilha! E aí eu aproveito para saber. E você, que quer ser escritor, por exemplo, já escolheu a sua obsessão? O ritmo de seus parágrafos? O tempo de seu tempo? Em que quebrada a sua voz se quebra? Palavra, é bom lembrar, é sobretudo pedra. Inaugural, filosofal. E a sua cara, já pensou nela? Estive, na quarta passada, conversando sobre isto com o poeta Carpinejar. Contos escritos, romance terminado, livro no fim, e aí? Já pensou qual será, assim, a sua assinatura? Com que pés fincará suas unhas na literatura? É preciso criar o texto. E o sangue do autor, sem medo. Com fé e confiança. Sem receio, entende? Repito: obcecadamente. Feito o Estevão fez. No centro nervoso de Paraisópolis. O seu sonho majestoso. Eta danado! Como estou, hoje, de alma profunda. Depois tem mais. Isto é só o começo. Aquelabraço gostoso e beijos na bunda. Fui e beijos.
|