29.6.10
O GRANDE GUZIK
Confesso. Fiquei protelando. Adiando. Não gosto de ver amigos no hospital. Lutando ali, contra os fios. Todos os meus irmãos viram. A briga do meu pai. Os últimos minutos da minha mãe. Eu não. Sempre chego atrasado. Parece que sou poupado. Não sei. Da dor real. Por um triz. Teimando contra as máquinas. E eu pensava: hoje vou visitar o Guzik. Não fui. Não quis. Sabia notícias, perguntava. Mandava recados. E abraços. Rezava, do meu jeito. Torcendo que esta merda de ano acabe de uma vez. Para que não acabe comigo. Por mais que eu diga, não direi. Do meu espanto. A cada recado fúnebre que 2010 tem nos trazido. Esse castigo da saudade. Pondo à prova a nossa crença. Tanta gente boa indo embora. Pegando a estrada. Essa ausência que dá. Essa demência no peito. Alberto Guzik era um grande sujeito. Talentoso, teimoso. Sobretudo, corajoso. Não foi à toa: que até o último segundo, teve forças. De guerreiro. Lembro: quando deixou a carreira vitoriosa de crítico. Para voltar a atuar. Do zero. Estive por perto. Conferi seu retorno aos palcos. Feliz. Realizado. O tanto que ele fez pelo teatro. Solo ou acompanhado. Vi todos os seus trabalhos, salvo engano. E também conferi, com interesse, a sua produção literária. Por exemplo, o seu livro de contos O Que É Ser Rio, E Correr? Belo, belo. Sincero. Eu falava para ele, sempre que podia: de alguns clássicos homoeróticos que ele havia escrito. Em casa, tenho cópia do seu novo livro, Estátua de Sal. Para o qual ele havia me convidado para fazer a orelha. E ao Gerald Thomas, o prefácio. Na última vez em que eu o vi. Comentei do romance. De uma beleza melancólica. Uma história de amor à arte. A trajetória de uma vigorosa companhia de teatro. Algo autobiográfico. Um tratato sobre a união. A paixão por um ofício. Nas linhas do livro, a verdade com que devemos enfrentar a vida. E a morte. Guzik foi assim. Até o fim. Um nobre. De cabeça erguida. Mergulhava. Com que entusiasmo me falava de seus projetos! Com que verdade me apresentava a amigos queridos. Foi ele, a saber, quem primeiro me contou do Sérgio Roveri. "Vocês dois são muito parecidos". Na fala e na cor dos personagens. De fato. Guzik também dirigiu textos meus. Faz tempo. Ao meu lado, torcendo. Vivamente. Essa imagem a que eu quero levar. Do artista que ele era. Em movimento. Sem sofrimento. O seu amor. E o seu grande exemplo.
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