8.6.10
TESTAMENTO
"Você nasceu rodeado de professoras", dizia minha mãe. Elas que me deram o nome de Marcelino. Meu nome seria Marcelo. Mas aí o filme Marcelino Pão e Vinho fez muito sucesso. E as professoras gostaram. E a minha mãe fez a vontade das professoras. "Esse menino vai ser professor quando crescer", dizia ela. E me educou a ler. O mundo. Minha mãe era a minha voz. O meu sotaque. O meu amor maior. E, de Sertânia, ela nos levou a Paulo Afonso, na Bahia. E depois ao Recife. Os nove filhos. "É preciso estudar para ser gente". Grande, grande. De pequeno, eu já gostava de viver escrevendo. E escrevia as cartas da casa, os cartões de Natal. "Não disse que ele vai ser professor?". E fui fazendo teatro, inventando peças. E a minha mãe ali, acompanhando meus primeiros passos. Sempre orgulhosa. Das notas que eu tirava. Dos livros que criava. Das reportagens no jornal. Guardou todas elas, as reportagens. Ai de mim se não a avisasse quando saía uma matéria. Ela mandava comprar. Erguia o jornal aos céus. E agradecia. Ela era a minha alegria. Aquele entusiasmo no coração dela. "Criei todos os meus filhos com muita reza e sacrifício". Ver todo mundo crescido, solto na estrada. Na semana retrasada, em palestra ao lado do poeta Sérgio Vaz no CCBB de São Paulo, me perguntaram: qual a maior felicidade, assim, que a literatura me dava. Essa, respondi: a de ver os olhos da minha mãe. Brilharem. "Professor é igual a escritor", defendia. Pedi para meu sobrinho comprar o Jornal do Commercio do dia 25 de maio. Coincidentemente, havia saído uma reportagem. Ave! "Leve para ela ver, no hospital". Minha mãe estava internada. E eu sabia que a literatura a deixaria menos doente. E deixou. Soube: ela, revigorada, levantava da cama, mostrava minha foto às enfermeiras. "Veja, é meu filho". Ao meu lado, participando do mesmo evento e à mesma página, estava uma foto do escritor Ronaldo Correia de Brito. Também doutor. Ele, Ronaldo que, inclusive, cuidou dela. Junto ao meu primo Wilson Freire, também escritor e também médico - aos dois e a toda equipe, meu agradecimento. Voltemos: mostrava ela a nossa foto, a minha e a do Ronaldo. Elétrica. E abria um sorriso. E compartilhava o tesouro com pacientes, familiares, quem chegasse. "Nasceu rodeado de professoras". Ensinava ela. Minha querida. Minha luz eterna. Que descansou, enfim. No dia 30 de maio, ela foi embora. Feliz. Se o meu ofício nasceu, assim, para dar esse orgulho à grande guerreira que ela foi, morrerei satisfeito. Um dia, a gente se reencontra. Fico eu com essa gratidão no peito. Essa saudade infinita. Para ela, sempre, todas as minhas palavras. As que escrevi e as que ainda não estão escritas. A minha vida.
Em tempo: agradeço publicamente a todos que enviaram mensagens para mim via celular, via e-mail, etc. e tal. Um beijo no coração de cada um. E continuemos juntos. E fui e tchau.
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