5.7.10
SURDO MUNDO
É este o título do ótimo livro do escritor inglês David Lodge que resenhei para a Folha de S. Paulo no sábado passado. O fato é que o texto não foi publicado na íntegra. Até compreendo. Muitas vezes, por pressão e pressa, o jornalista tem de cortar algumas linhas (mesmo que o texto tenha sido enviado no tamanho que pediram). E acaba truncando o ritmo, algumas frases e sentidos. Fazer o quê? Na verdade, só ainda não entendi por que o jornal resolveu corrigir, para o erro, o nome do romance, que na matéria saiu como sendo: Surdo e Mudo. Pode? Ave nossa! Por isto, segue a resenha completa logo ABAIXO. No mais, rezemos ao Senhor. E beijos no umbigO e aquelabraço. Fui.
PALAVRA POR PALAVRA
– Quem?, eu perguntei.
– Lodge.
– Jim Dodge?
– Não, David Lodge.
Confusão na audição. Ao telefone. Não. Não era o autor de "Fup". Eu fui convidado para escrever aqui, na Folha, sobre o autor de "A Arte da Ficção" – esse, o único livro (mesmo assim, de ensaios) que li deste premiado e propagado ficcionista inglês nascido em 1935.
– Lodge acaba de lançar, pela L&PM, o romance "Surdo Mundo".
– "Surdo Mudo"?
– Não, eu disse "Surdo Mundo".
Entendido. Esperei o livro bater à minha porta.
– É a história de um professor aposentado e a sua luta contra a velhice e a surdez.
Oba! Quase gritei. Gosto de aventuras decrépitas. Desventuras patéticas e caducas. O próprio "Fup", do americano Dodge, nos conta do desbocado Vovô Jack. E a sua pata de estimação. Lembrei-me, até, do pobre pescador de "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway. E de mais uma infinita galeria de personagens à flor da terceira idade.
Ave! Uma horinha depois da conversa acima, o livro chegou. Um calhamaço de mais de 300 páginas. E que eu li de uma arrancada só, para o meu espanto. Divertidíssimo, irônico, inventivo. Um tratado – tão bem composto por David Lodge e minuciosamente, palavra por palavra, traduzido por Guilherme da Silva Braga – sobre a deficiência auditiva e outras deficiências à vista. Quando chega o cansaço. E o tempo impiedoso. Principalmente para quem precisa, repetidas vezes, da paciência dos outros.
– O quê? O que você falou?
Hilárias e comoventes são as trapalhadas do protagonista Desmond Bates, o tal professor. De linguística. Que reclama, em alto e bom som: "nós, surdos, não temos nenhum sinal visível que desperte a compaixão alheia. Nossos aparelhos auditivos são quase invisíveis e não temos nenhum animal adorável para cuidar de nós".
No caso de Bates, eis que aparece Alex, uma problemática e gostosa aluna, toda-ouvidos, que o convida para orientá-la em um doutorado. A saber: "uma análise estilística de bilhetes de suicidas".
– Como? Não entendi.
Não dá para explicar. Nem para resumir. O tanto de mal-entendidos que percorre a vida do coitado do velho – refém da sorte e a caminho da morte. Os ruídos na comunicação, os diálogos que não dialogam. A falência múltipla de órgãos. Sistemas e pilhas. Ecos de um mundo assim, digamos, cada vez mais doente. E individualista. Quem escuta quem hoje em dia?
– Quem? Hein? Me diga.
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